Estado teve o sexto maior crescimento da extrema pobreza no país. Em 24 das 27 unidades da federação, a miséria aumentou.
Bruno Vital
Repórter
Foto: Magnus Nascimento
Com uma renda mensal de R$ 220, oriunda do Bolsa Família, a
catadora de recicláveis Keliane de Lima, de 28 anos, sequer sabe se terá comida
para oferecer aos quatro filhos, com idades entre oito e 12 anos, no dia
seguinte. Junto ao marido, também catador, e as crianças, há cinco anos ela
vive em um barraco de dois vãos com paredes, piso e teto improvisados na
ocupação Eleny Ferreira, no conjunto Parque dos Coqueiros, Zona Norte de Natal,
onde moram outras 60 famílias. Com a geladeira e o armário vazios, ela depende
de doações para sobreviver em meio a fome.
“Até agorinha eu estava pensando no que a gente ia fazer para
tomar café. Você acredita? Aqui a geladeira está sem nada”, disse Keliane, que
recebeu a reportagem da TRIBUNA DO NORTE na manhã da última sexta-feira. “Ontem
(quinta) foi aperreado porque minha irmã está no hospital internada e eu deixei
os meninos com o pai deles aqui. Aí ele ligou perguntando se tinha alguma coisa
e não tinha. Deixei minha irmã lá e fui para o meio dos conjuntos pedir. Ainda
arrumei R$ 3 de ovos, um cuscuz e um tantinho de manteiga. Aí fiz pra eles. E
assim vamos levando. Tem dia que a gente pensa até em fazer besteira, mas meu
filho de 12 anos conversa muito comigo. Tem sido difícil demais a situação
aqui”, relata.
Keliane faz parte de um grupo de 600 mil pessoas que vive em
extrema pobreza no Rio Grande do Norte, isto é, 17% da população do Estado, de
acordo com um estudo do economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre o primeiro
trimestre de 2019 e janeiro de 2021, o índice da extrema pobreza passou de
13,1% para 17%, um crescimento de 3,9 pontos percentuais, o que significa um
aumento de 29,7%. Foi o 6º maior crescimento entre os estados do Brasil, atrás
de estados como Roraima (8,7 pontos percentuais); Ceará (4,4 pontos
percentuais); e Pernambuco (4,4 pontos percentuais). A pesquisa da FGV traduz
em números uma percepção cada vez mais presente nos centros urbanos do RN:
pessoas pedindo dinheiro e comida em sinais de trânsito, ruas e supermercados.
Em relação à pobreza, o Rio Grande do Norte chegou a 40,7% da
população (o que já inclui os 17% em extrema pobreza). Nesse caso, o Estado
teve o 4º maior crescimento entre os estados do Nordeste, atrás apenas de
Sergipe; Paraíba; e Pernambuco. O avanço da miséria e da fome foi flagrante em
todo o país, uma vez que 24 das 27 unidades federativas registraram aumento da
taxa da população considerada pobre ou muito pobre, segundo Duque.
Para definir pobreza e pobreza extrema, a pesquisa utilizou
parâmetros do Banco Mundial, que estabelece que uma pessoa é pobre quando vive
com até R$ 450 por mês. Já o pobre extremo é o que tem rendimentos mensais de
até R$ 150, o que representa R$ 5 por dia. Dentro do universo de 1,4 milhão de
potiguares na faixa da pobreza, existem ainda 600 mil pessoas em condições
ainda mais vulneráveis, os considerados pobres extremos, como é o caso de
Keliane de Lima, que recebe R$ 220 do Bolsa Família. O valor é dividido para
seis (ela, o marido e quatro filhos), o que, no fim das contas, representa uma
renda per capita de apenas R$ 1,22 por
dia.
O pesquisador da FGV destaca que o cenário de pobreza foi
agravado pelo desemprego e evidenciado por causa da pandemia de covid-19, que
paralisou o setor de serviços. “Alguns estados foram atingidos mais fortemente,
principalmente aqueles que têm um mercado de trabalho muito voltado para os
serviços e para o mercado informal, como é o caso dos estados do Nordeste. No
ano passado, o auxílio emergencial teve um papel importante na diminuição da
pobreza e da extrema pobreza, mas tivemos uma redução nos valores juntamente
com uma alta inflacionária, de modo que aqueles que recebem auxílio hoje são
muito afetados pelos altos preços”, comenta Daniel Duque.
Grávida de oito meses e com uma filha de dois anos, a
catadora de recicláveis Manoelle Cristiny, 23, também vive em um barraco no
conjunto Parque dos Coqueiros. Ela sequer chegou a receber o auxílio
emergencial e teve o Bolsa Família, no valor de R$ 91, cortado desde março do
ano passado. A jovem conta que se separou e não tem ajuda do ex-companheiro
para criar os filhos. “Aqui é assim, moro sozinha, às vezes tem, às vezes não
[comida]. Meu Bolsa Família foi bloqueado. Quando eu fiz [o cadastro] não tinha
minha menina. Tenho o cartão, o Caixa Tem, mas não estou recebendo. A mulher
disse que tinha que atualizar, mas só atualizava quando acabasse a pandemia, aí
agora não recebo mais nem os R$ 91. Também não posso nem sair para resolver
isso porque estou prestes a parir e não tem com quem deixar minha menina.
Infelizmente o poder público, nossos governantes, não chegam aqui”, conta
Manoelle Cristiny.
Problemas estruturais potencializam pobreza
Do ponto de vista da falta de oportunidades, que acaba
jogando potiguares para a informalidade, o economista Cláudio Barbosa destaca
que o Rio Grande do Norte ainda não possui capacidade de absorver a mão de obra
do estado devido a problemas estruturais.
“Nós somos carentes de infraestrutura, de grandes obras que
pudessem empregar essa massa não qualificada e até mesmo a qualificada, que não
está encontrando e está caindo na pobreza. Esse é um ponto nevrálgico”, diz. No
Rio Grande do Norte, a taxa de desemprego calculada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 16,4%, no trimestre encerrado em
julho. O índice é o segundo maior da série histórica iniciada em 2012. O
recorde (17,3%) foi registrado no terceiro trimestre do ano passado. Hoje, 238
mil pessoas buscam entrar no mercado de trabalho do Estado. Os dados fazem
parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD).
O especialista em gestão financeira pondera também os efeitos
da pandemia nas finanças de Estado e municípios. “Esses problemas estruturais
atingiram o Rio Grande do Norte em cheio. Fora isso, nós estamos, também a
nível governamental estadual e municipal, numa carência de recursos
financeiros, haja vista que nós investimos boa parcela dos nossos excedentes
para o combate da pandemia”, acrescenta Barbosa.
Para o economista Robespierre do O’, as áreas econômicas mais
fortes do Estado acabaram afetadas pela pandemia. “Existe ainda o agravante da
pandemia e o nosso estado é periférico e pobre economicamente, dependente das
exportações e do turismo, que foram setores muito afetados neste período. No
ano passado nós tivemos um auxílio emergencial de R$ 600 e hoje está em R$ 150,
então esses fatores acabam contribuindo para que o nosso estado sinta essa
crise com mais peso”, explica o especialista, que também é membro do Conselho
Regional de Economia (Corecon/RN).
Ao passo da diminuição do Auxílio Emergencial, o Rio Grande do Norte registrou aumento no valor da cesta básica, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em agosto, a cesta básica em Natal chegou a custar R$ 508,04, incluindo aumento de 0,30% em comparação com o mês anterior. Ante agosto de 2020, a variação foi de 21,11%. Para efeito comparativo, levando em consideração o valor médio do Auxílio Emergencial 2021 (R$ 262,50), seriam necessárias duas parcelas do benefício para comprar uma cesta básica em Natal.
Expectativa ruim
Na análise do economista Robespierre do O', a tendência é que
a pobreza não apresente recuo em 2022. “A tendência da pobreza é aumentar. O
país vai ter um crescimento este ano de 5% e o mercado está prevendo para o ano
que vem um crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] de 1% a 1,6%. Isso já
mostra que a gente praticamente não vai ter crescimento. Além disso temos as
escolas fechadas ou em uma reabertura tímida. Soma-se a isso uma instabilidade
política no país, que acaba influenciando a parte econômica. As declarações
recentes do presidente contra o STF acabam criando ainda mais incertezas. A
gente fica preocupado”, opina.
Fonte:Tribuna do Norte
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